A velhice não é como a morte, não aparece assim de repente à nossa frente para jogar xadrez. Mas dá-nos sinais da sua existência e nem todos são físicos. Precisei de ir ao banco. Há anos que não ia ao banco, experiência que por ser rara fez-me lembrar os tempos de criança em que nas férias ia para a loja ajudar, o que incluía fazer recados em bancos, coisa que detestava. Lembro-me bem da enorme impressão que era entrar num banco naquele tempo, que não devia ser muito diferente da que sentiam os emigrantes vindos da Sicília ao chegarem a Nova Iorque. Um espaço enorme cheio de funcionários e clientes e eu muito pequenino, muito Joseph K., ali perdido. E habituei-me a ver o bancário como supremo exemplo do adulto importante: ar sério e distante, vestido com roupa importante, a trabalhar num sítio importante, atrás de um enorme e institucional balcão para tratar de assuntos importantes.
Bem diferente da minha experiência de hoje. Claro que no que ao mundo objectivo diz respeito, nada mudou, tirando os bancos serem mais pequenos e haver menos gente. Sou atendido por uma mulher na casa dos quarenta, de fato completo e com uns tacões que rivalizavam com o Empire State Building. No cubículo ao lado, um homem da mesma idade, também de fato completo, mas sem tacões. Sem tirar nem pôr, os mesmos bancários de outrora, o mesmo ar sério e distante que me provocava ansiedade e infundia respeito. Acontece que a senhora que me atendeu foi minha aluna, pelas contas dela, há 25 anos, passando de imediato a vê-la nessa qualidade, uma garota chegada ao 10ºano com as inseguranças e puerilidades dos 15 anos e que de imediato alinhou numa conversa que nada tinha quer ver com bancos. E não tendo sido o colega do lado meu aluno, vi nele o mesmo ar de garoto dos que, ainda hoje, como algo intemporal, são dados a alguma traquinice.
Esta experiência não é completamente inédita, só chamando mais a atenção pelo impacto institucional do local. A experiência de ser idoso, isto é, de já «ido» ou «já lá vai», enquanto outros verdadeiramente «estão», só que neste caso a desimpressionar a criança que se impressionava com os anteriores que já morreram, avós dos actuais. Já tive uma ex-aluna a dar-me uma vacina e uma outra na urgência do hospital a consultar uma familiar minha. Já tive um ex-aluno a entregar-me uma encomenda dos Correios em casa, uma ex-aluna a orientar-me juridicamente, ex-alunos como professores dos meus filhos, ex-alunos pais de ex-alunos, ex-alunos na vida política e, para acabar em beleza, um ex-aluno que é hoje o meu director. É deles, das suas boas graças, da sua simpatia, paciência, compreensão e competência profissional enquanto adultos, que depende hoje este que está "indo" como em tempos dependeram eles da minha. Fosse eu católico e poderia ser um ex-aluno que é padre a dar-me a extrema-unção. Mas quem sabe se não serei descido ao subterrâneo mundo dos para sempre idos, por um ex-aluno que resolvesse ser coveiro.