07 outubro, 2022

O INTERVALO

Um mundo que resiste à actual crise do Iluminismo, do positivismo e do racionalismo, é o do futebol. No mundo do futebol, toda a causalidade é explicada em papel milimétrico com uma tinta cuja composição química é a mesma das ideias claras e distintas da Matemática cartesiana. A vitória, derrota ou empate de uma equipa é tão óbvia como o cálculo matemático com que Isaac Newton explica a queda de um corpo. O que não deixa de ser estranho pois se há mundo impermeável à lógica e à razão será precisamente o do futebol. Não o dos sábios do futebol mas daquele em que a bola rola na relva, onze contra onze, sabendo-se de antemão que nem sempre ganha a Alemanha, coisa sem pés nem cabeça para um racionalista ou, neste caso, em prol do rigor, para um empirista inglês. Dizem eles que seria importante o Benfica chegar ao intervalo a ganhar ao PSG em vez de empatado, o que teria acontecido se não desperdiçassem as suas três oportunidades, contra uma apenas do PSG e que logo por azar deu golo. E não apenas importante mas igualmente justo, a tal justiça ligada a uma harmoniosa ordem que permite dormirmos o sono dos justos, o que neste caso não aconteceu. Conviria, entretanto, saber o que pode ser definido como importante e justo, talvez para concluirmos ser desejável não sabermos o que pode ser definido como importante e justo. 

O Benfica chegou ao intervalo empatado em vez de a ganhar como teria sido importante e justo, dizem eles. E se dizem que seria importante e justo chegar ao intervalo a ganhar, é porque chegar ao intervalo empatado não é considerado importante e justo. Mas algo me diz que se o Benfica chegasse ao intervalo a ganhar, digamos que 1-0, o resultado final em vez de ser o mesmo com que se chegou ao intervalo (1-1), poderia ter sido 2-1 ou 3-1 para a equipa de Messi, Neymar e Mbappé, uma vez que chegar ao intervalo empatado, para uma equipa que tem Messi, Neymar e Mbappé, não é o mesmo que chegar ao intervalo a perder. Diria mesmo que o que pode ter levado o Benfica a conseguir o honrado empate final contra aquele Golias do futebol europeu, foi mesmo a pouca importância de não ter chegado ao intervalo a ganhar, com o que isso representa de injusto. Não sei se por resistir à actual crise do Iluminismo, do positivismo e do racionalismo, é o futebol também resistente à Teologia. Não fosse esse o caso e talvez o mundo do futebol percebesse que há vezes em que Deus escreve direito por linhas tortas, outras em que escreve torto por linhas direitas, o que poderia ter acontecido se o Benfica chegasse ao intervalo a vencer, vantagem importante e também justa, dizem eles. Para rematar, apenas esclarecer que, ao contrário do que sugere, isto não tem propriamente que ver com futebol, assunto demasiado primário e popular para um blogue sério mas sobretudo requintado como este.