Devo a António Guerreiro ficar a saber que também existe uma iliteracia meteorológica, défice do qual padecerei pois não sei explicar porque razão 17 distritos de Portugal - todos excepto Santarém - iriam estar sob alerta amarelo no fim de semana. Isto, quando Santarém até é uma espécie de Alemanha portuguesa, um distrito rodeado de outros distritos por todos os lados, mas surgindo aqui na enigmática condição de desaparecido. Ainda pensei que se tivessem enganado, mas não, com a precisão de um bisturi, eis os 17 nomeados, um a um, num mapa de Portugal tão amarelado como certos quadros de Van Gogh e que neste caso parece o mapa de Espanha quando é mostrado pela espanhola Agencia Estatal de Meteorologia, no qual se vê um deserto cinzento onde antes estava Portugal, só que neste caso é Santarém. Como explicar este fenómeno? Pois, aí é que está: não faço ideia, isto, claro, porque que sou um iliterado meteorológico, a quem falta a natural e irrisória explicação que os cientistas tratam por tu cá, tu lá e que certamente não há-de ser porque as nuvens se desviam no caminho ao virem de Leiria para Portalegre ou de Lisboa para Castelo Branco. Por muito que observe o céu como Tales de Mileto, Copérnico ou Galileu ou o professor Tournesol, eminências que não padeciam de iliteracia astronómica, ao invés de um pardo como eu, consigo apenas vislumbrar uma possibilidade: o ar ter secado mais no distrito de Santarém devido aos gases libertados ao longo da semana pelas vacas e toiros que abundam na lezíria ribatejana em virtude, ou diria antes, desvirtude, de a erva estar mais rija e fibrosa pela falta de chuva, os mesmos gases que a primeira-ministra da Nova Zelândia faz questão de que passem a pagar imposto para ajudar a combater a crise climática, da qual também pouco sei na sequência da minha iliteracia ecológica. Mas ainda bem que sou iliterado, o que contribuirá para a falsidade da minha teoria, evitando assim que tal medida pudesse ser aplicada em Portugal devido aos problemas de seca que assolam os solos (percebe-se que, para além da iliteracia também serei dado à aliteração, o que por si só já é uma aliteração), ainda que fosse boa para os cofres do Estado do qual sou um fiel servidor e usufruidor, embora a esse respeito também muito não possa dizer devido à minha iliteracia financeira. E a prova da minha teoria ser falsa é o facto de nos Açores a abundância de vacas não ser incompatível com a visita diária da chuva, embora as variáveis sejam diferentes uma vez que, ao contrário do distrito de Santarém, os Açores têm mar, ou o mar têm os Açores, depende da perspectiva, não sabendo eu até que ponto isso pode influenciar a maior ou menor quantidade de precipitação, uma vez que, como julgo já ter informado, sou um iliterado meteorológico. No meio de tudo isto, o que me safa é não padecer completamente de iliteracia literária para a qual basta saber ler e isso sei eu fazer desde a escola primária, sendo instado a rezar a Santa Bárbara por Alberto Caeiro para me sentir ainda mais simples, familiar e caseiro do que sou, e passar a vida como o muro do quintal, quer dizer, ter ideias e sentimentos só por ter assim como uma flor tem perfume e cor, mas também, como ainda diz o poeta, o melhor é mesmo também não pensar nisso para não ficar menos feliz, sombrio, adoecido e soturno, como um dia em que todo o dia a trovoada ameaça mas que também nem sequer de noite chega como se pôde ver durante este fim de semana no distrito de Santarém, embora, e ainda que desparecido entre o céu e o mar no centro de Portugal, tenha chovido bastante como nos outros distritos, o que deveria deixar os rostos dos meteorologistas em alerta vermelho.