Há muito que acabou o tempo do magister dixit, do professor que desde o alto do púlpito derramava a sua sapiente autoridade em cabeças que entravam na sala de aula como as respectivas bocas no refeitório para mastigar e deglutir o almoço, com a diferença destas entrarem mais abertas e com mais apetite do que as primeiras. Agora já não é assim, em vez de professores a ensinar e alunos a aprender, aprendemos todos uns com os outros, e quanto a isso posso até considerar-me um homem com sorte.
Numa recente aula de Psicologia, ao explicar a freudiana tese da "inveja do pénis" (as coisas que sou obrigado a ensinar para poder pagar a renda de casa e o pão de cada dia), e só para apimentar um pouco a matéria, lembrei o velho ódio feminista ao pai da Psicanálise. Sendo uma turma de raparigas (trata-se de uma disciplina de opção de 12ºano e não deixa de ser curiosa esta maior apetência feminina pela Psicologia), aproveitei para perguntar se havia por ali alguém com propensão feminista. Ninguém reagiu, nada de que não estivesse à espera. Até que uma aluna, meio perplexa, pergunta se não é suposto sermos todos feministas. Mobilizei então as minhas velhas referências de quem já atravessou décadas de história para explicar o que representava ser feminista para as pessoas da minha geração e, ao invés do previsível, sem ter ressuscitado toda aquela mitologia dos soutiens queimados para não dar a ideia de amesquinhar as lutas feministas. Daí ter respondido que não, que não é suposto sermos todos feministas. Fui então amavelmente esclarecido de que a minha descrição sobre o que é ser feminista já está desactualizada, chamando-se agora femista, coisa da qual nunca tinha ouvido falar. Já em casa fui então aprofundar a matéria, e embora não bata completamente certo com a velha ideia feminista, que está longe de ser um machismo ao contrário, percebi a ideia da aluna.
Mas o que aqui me interessa mesmo relevar, não é o que é ser feminista ou femista ou seja lá o que for acabado em "ista". É mesmo a perplexidade da aluna: "Não é suposto sermos todos feministas?" Há dois ou três anos, durante um improvisado debate na aula sobre uma questão afim da qual já nem me recordo, fui solicitado para dar opinião. Resolvi então ser iconoclasta para o que se esperaria de um quase sexagenário, sobretudo até por causa de uns laivos machistas oriundos do sector masculino da turma, assumindo-me então feminista e prevendo com isso um tonitruante efeito no auditório. Reacção? Nenhuma, sabendo agora que terei dito a mais chã e expectável das vulgaridades com impacto igual ao de dizer que já fui ao Estádio da Luz ou que gosto das almôndegas do IKEA. "Não é suposto sermos todos feministas?" É sim senhora, minha cara aluna, tem toda a razão, sendo a perplexidade da sua pergunta o resultado de séculos de conquista civilizacional. Que, no entanto, infelizmente, as capas do Correio da Manhã estão muito longe de poder confirmar.