Sendo a minha velocidade de raciocínio comparável à de uma carroça, só depois me ocorreu que deveria ter esclarecido que, não há trinta mas há bem mais de dois mil anos, uma parte da humanidade que preza não a cultivar, vem dando o seu contributo para compreender a bioquímica da estupidez cujas bactérias fermentam livremente nas almas de outra e bastante significativa parte com as flatulentas consequências mentais que infelizmente nem todos conseguem reconhecer, sobretudo os que teriam mais a ganhar com isso, embora também a humanidade em geral.
Refiro-me aos escritores. A uma escrita centrada no riso, seja em verso ou em prosa, no teatro, conto ou romance, a um tipo de literatura que há muito se revelou como a via mais rápida e eficaz para chegar tanto ao ponto nevrálgico da estupidez como às suas diversas periferias. Aristófanes, Terêncio, Juvenal, Boccaccio, Rabelais, Quevedo, Cervantes, Molière, Swift, Sterne, Voltaire, Twain, Wodehouse, Waugh, Camilo, Eça, Hasek, Ionesco, R.A.P. ou Seinfeld, tão diferentes uns dos outros mas todos eles grandes anatomistas da estupidez humana com o bisturi do humor feito pena mas sem pena de quem é alvo do riso.
Dir-se-á que falta ao riso o que o meu aluno esperava: teorias, método experimental, conceitos, sapientes notas de rodapé. Nada que se possa encontrar no Tartufo ou na Queda de um Anjo. Para ajudar à festa, há sisudos apregoando que rir é até mais próprio do símio do que dos descendentes de Adão, enfim, que rir faz estremecer a inteligência que se quer sossegadinha e sem respirar como num raio X ao tórax. Mas não é nada disso. Parafraseando o velho Arquíloco, diria que os cientistas podem saber muitas coisas mas o escritor sabe uma coisa muito importante. Muito mais do que com sofisticadas explicações científicas, será o riso a ressonância magnética mais eficaz para registar as dinâmicas mentais da estupidez, da mais militante à mais circunstancial, esperando eu, já agora que digo isto, ser mais afectado pela segunda embora adormeça com cada vez mais dúvidas a esse respeito.
O meu aluno espera da Psicologia a incessante busca de causas que explicam certos efeitos. Ora, o escritor não lhe dá isso mas dá-lhe muito melhor: uma perspectiva fundacionalista do humor. Quer isto dizer que o riso não carece de explicação, sendo uma reacção básica que não precisa de se justificar, ou seja, é auto-justificativo. Rimos do que é risível, percebendo porque rimos sem que tenhamos de explicar porque rimos, o que, como acontece com as nossas emoções em momentos fulcrais, revela uma enorme vantagem em termos de tempo, eficácia e clareza, face ao cientista, sempre de gatas e lupa na mão em busca de diferentes e melhores teorias. Ler, e ler muito do que já quase ninguém lê, vale todo um curso de Psicologia.