16 setembro, 2022

MORTE EM BELEZA



Heinrich Kühn | Tambor e soldado de chumbo, 1910 [Museu d'Orsay]

De um dia para o outro, o arquitecto Nuno Teotónio Pereira perde completamente a visão num olho. Cinco dias depois, acorda, sentindo no outro olho os mesmos sintomas. Vai para o atelier usando o transporte público como é hábito. Chega e arruma todas as suas coisas para voltar de novo a sair para o oftalmologista que já o esperava. Ainda no atelier, telefona à mulher para explicar a situação. Esta, sobressaltada, pede-lhe que ao sair do consultório apanhe um táxi e volte depressa para casa. Porém, faz o mesmo de sempre, usa o transporte público. Ao chegar a casa, questionado pela mulher por tamanho disparate, diz que foi para melhor se despedir de Lisboa. Horas depois, cega completamente. 

Para muitos, Gregorio Marañon será apenas nome de estação de metro ou de hospital em Madrid. Mas foi, para muito e bom proveito de Espanha, muito mais do que isso. Madrileno de gema, cosmopolita, com uma riquíssima vida profissional, cultural e política, confessa que foi no seu cigarral de Toledo que passou os melhores momentos da sua vida. Poucos dias antes de morrer regressa a Toledo para ver uma última vez a sua luz ao entardecer. 

Seja diante de uma paisagem, de um quadro, de uma fotografia, de uma árvore, de uma casa, de um objecto, o que quer que seja. Nunca morrerá como sem abrigo quem guarda uma última visão para com ela se despedir.