Se a adolescência é um turbilhão de pensamentos, emoções e exaltações várias muitas vezes sem eira nem beira, então a adolescência será sempre a melhor altura para receber Godard. O meu primeiro foi Pierrot, le Fou, na velhinha casa da cultura ali na praça 5 de Outubro. Lembro-me bem de vir de lá com pensamentos, emoções e exaltações várias sem eira nem beira, um raro privilégio numa cabeça ainda fresca que nem uma alface, digo-o eu, agora, a posteriori, pois na altura ainda não sabia que primeiro se vive e só depois se compreende. Próximo no tempo, é forçoso que me lembre ainda melhor do meu último Godard: acordar com a luz da sala a acender-se, o movimento das pessoas a levantarem-se das cadeiras e precisar de uns segundos para perceber onde estava. Os filmes têm princípio, meio e fim mas não necessariamente por essa ordem, dizia ele. Na vida a ordem é mesma essa: um princípio, um meio e finalmente um fim, com um à bout de souffle, é verdade, só que ao contrário: compreende-se mas já não se vive.