Já o fiz várias vezes mas não posso deixar de lamentar a ideia de passar um filme numa aula com um pretexto didáctico. É difícil imaginar melhor filme para perceber a socialização do que O Menino Selvagem. Ou Tempos Modernos numa aula de História ou de Economia para o fordismo. Mas levar Truffaut ou Chaplin para uma sala de aula como se fosse um documentário do Canal Odisseia ou do Canal História não deixa de ser um crime de lesa-cinema.
O que mais aprecio nalguns filmes de Buñuel é o paradoxo, o absurdo, a falta de sentido, o cáustico humor. Basta pensar no Charme Discreto da Burguesia, Este Obscuro Objecto de Desejo, O Fantasma da Liberdade e sobretudo no que é para mim o melhor de todos eles: O Anjo Exterminador. O surrealismo não me diz grande coisa quando cai em excessos exibicionistas e histéricos (detesto Dalí), mas, se discreto, ainda que assumido, pode encher-me as medidas. Lembro ainda Black Moon, de Louis Malle, um daqueles que se ama ou não se suporta, um desvario experimental na sua casa de campo, cheio de non sense, mas com um belo, e literalmente fantástico, resultado.
Belle de Jour tem uma clara marca buñueliana, sendo difícil dele não gostar. O verdadeiro problema está num discreto mas irritante didactismo psicológico que vem perturbar a umbrática aura que o envolve, ao cair na tentação da explicação, quando seria muito mais interessante não ter nenhuma. Há uma mulher rica, bonita e elegante, casada com um homem rico, bonito, elegante e que a adora. Sofre todavia de frigidez, evitando os avanços amorosos do marido como o diabo os da cruz. Será num discreto apartamento para o exercício da prostituição que, todas as tardes, irá então encontrar o verdadeiro prazer, sobretudo com clientes revelando caprichos pouco ortodoxos. Até aqui tudo normal (digamos assim, já que falamos de cinema), chegando no final a cereja em cima do bolo. Qual então o problema? Os irritantíssimos flashbacks que trazem para o presente momentos da sua infância para associá-los à mulher que enche o filme com a sua complexidade e mistério. Compreender-se-ia num daqueles filmes americanos que trazem como anexo o capítulo de um manual de Psicologia, ou até mesmo para estimular alguma indulgência cristã face ao brutal murro do pecado e da perdição, o que será sempre de enaltecer num filme de domingo à tarde. Sendo Buñuel, embora não chegue para contaminar o filme como um todo, é o suficiente para lhe tirar uma, ou mesmo duas, estrelas.