18 outubro, 2025

CORREDORES

Cada um aplica os critérios que bem entender, incluindo os mais complexos e sofisticados. Já o meu critério para avaliar o quanto gosto de um quadro é muito básico e devidamente adequado à minha básica natureza: quanto maior a dificuldade em sair da sua frente pendurado na parede do museu, maior é a minha forte adesão, ou para usar um termo mais radical, aderência, ao quadro. E quando por fim arredo pé, é afastando-me devagarinho, chegando nalguns casos a virar várias vezes a cabeça, como aqueles amantes que após se despedirem à saída de um café se vão beijando com os olhos até a esquina da rua os separar de vez. Com os livros acontece o mesmo. Um enorme pudor em voltar a pô-los na estante, uma inexorável pulsão para de novo folheá-los, seja para reler passagens do que é pecado ser lido apenas uma vez, seja pela pedrinha preciosa que pode ter escapado enquanto remexia o tesouro. Não dramático, apenas levemente melancólico, é saber que enquanto o livro continua na estante à distância de um braço, os quadros que vejo pela última ficam apenas guardados nos corredores de um museu imaginário que percorro levado por alguma memória e bastante esquecimento.