«O mais agradável tempo de Primavera e uma fertilidade luxuriante espalhavam sobre todo o vale a sensação de uma paz revigorante, que o desastrado guia me estragava com a sua erudição, sempre a contar como Aníbal travou aqui uma batalha e todos os incríveis feitos de guerra que tiveram lugar neste vale. Com modos pouco corteses, admoestei-o por estar a lembrar-nos esses fantasmas do passado. E fiz-lhe ver que já nos chegava saber que de tempos a tempos as colheitas eram arrasadas, se não sempre por elefantes, pelo menos por cavalos e homens. Se ao menos não nos assustassem a imaginação e o seu sonho de paz com essas pelejas revisitadas» Goethe, Viagem a Itália
Estamos tão habituados que já nem reparamos no que perdemos quando vemos um filme legendado. Por muito treinados que estejamos, é impossível não sacrificar o que se vê para dar atenção ao que se diz. O mesmo vale para uma visita guiada, sendo muitas delas, infelizmente, obrigatórias, impedindo a pessoa de deambular livremente por um lugar, conduzida apenas pelos seus olhos. Não quero dizer com isto que não se aprendam coisas interessantes com o guia. Aprendem, e até se devem aprender. O que não é possível é ver, tal como deve ser visto, enquanto se aprende. São dois movimentos distintos, os dos olhos e o da mente, que se podem completar, mas não em simultâneo. Vê-se primeiro para aprender depois, ou aprende-se primeiro para ver depois, exercício hoje cada vez mais acessível, graças aos meios técnicos de que dispomos. A melhor experiência que tive no que a esta conjugação diz respeito foi na maravilhosa Cappella degli Scrovegni, em Pádua, para ver os frescos de Giotto. Só há visita por grupos (com marcação), com uma duração de 40 minutos. As pessoas entram para uma sala na qual se sentam a assistir a um vídeo de 20 minutos sobre a capela. Depois, entram nesta, ficando entregues a si próprios durante mais 20 minutos para ver o que quiserem e o tempo que quiserem, folheando com os olhos os vários capítulos desse grandioso e colorido livro de pedra que tanto dá que pensar. Mas em silêncio, tal como o vate alemão também gostaria de estar, sem ter que apanhar com Aníbal e respectivo elefante a ressoar dentro da sua cabeça.