02 julho, 2024

ENTRE ESTANTES

Entro no supermercado e logo a seguir a uns expositores com detergentes, cadeiras de praia e pacotes de pão bimbo, dou com uma pequena feira do livro, saindo minutos depois com um romance de Dostoievski com 40% de desconto, bem acompanhado de batatas, lata de grão, fatias de queijo flamengo e areia para o gato. Será degradante ou antes uma alegria dar com Dostoievski onde é habitual ver bolachas ou pacotes de sumo? Adaptemos o Teste de Turing à situação: diante da minha estante, peço que identifiquem os livros comprados em livrarias, os livros comprados no supermercado e os que vieram pelo correio. Como não vão conseguir, concluo que é indiferente o sítio onde se compram. Isto, se pensarmos no livro. Outra coisa é o acto de comprar o livro. É bem melhor comer uns belos filetes de pescada com salada russa num belo restaurante do que num vulgar e sem graça nenhuma, ou chegarem a casa trazidos numa mota. Mas se os filetes forem mesmo bons e a pessoa estiver só focada neles, ao contrário do puritano que não abdica de um belo restaurante, come-os nas mais diversas circunstâncias. Também é muito mais interessante comprar um livro no seu lugar natural, que é a livraria, a qual, quanto mais bonita for, mais o dignifica, embora em muitas os livros já tenham passado para segundo plano. Mas se no supermercado aparecer um bom livro à frente, não há como não o comprar. Depois, como na física aristotélica, cada coisa encontrará em casa o seu lugar natural: batatas na cozinha e Dostoievski na estante, bem acompanhado por ele próprio e os seus colegas russos.