08 maio, 2024

PENSAMENTO ATONAL

Foi um processo natural e espontâneo, sem ponta de intenção. Até que começo a aperceber-me de que sempre que me sento na sala para corrigir testes, é de música contemporânea que me faço acompanhar. Não sou adepto de ouvir música para atingir certos fins para além dos da própria música. Porém, tal como o café e o pastel de nata, a marmelada e a noz ou o caldo verde e o chouriço,  os testes e a música parecem exigir-se mutuamente numa combinação perfeita. Como poderia hoje um pintor continuar a pintar como Ingres? Ou, depois de Loos, um arquitecto do século XX desenhar edifícios como no século anterior? Ou um coreógrafo desenhar os movimentos originais do Quebra-Nozes? Enfim, como poderia hoje um músico sentar-se ao piano para compor e dos seus dedos voltarem a sair os sons de Schubert ou de Brahms? Sentado, calmamente a trabalhar, entregue de alma e o coração à minha tarefa, oiço música e sinto que está tudo certo.