14 maio, 2024

O TÁXIMETRO NÃO ENGANA



Apanhar um táxi no Entroncamento passou a ser uma experiência frequente desde que me roubaram o carro. Um destes dias começo a activar o cronómetro só para saber quanto tempo, em média, é preciso esperar até o taxista começar a dizer mal dos pretos e ciganos. Ontem, nem tínhamos ainda saído do Entroncamento e já o sermão começava. Não me preocupa o facto de os taxistas serem racistas, xenófobos e votarem no Chega. Que lhes faça bom proveito. O que preocupa, porque sintomático, é o seu à-vontade e desfaçatez diante de um desconhecido. Eles não sabem quem eu sou, se sou casado com uma negra, se adoptei uma criança negra, se tenho amigos negros, quais as minhas idiossincrasias ou a minha sensibilidade em relação a taxistas racistas e xenófobos. Entro no carro e logo me elege como um dos seus, um cúmplice para partilhar a sua raiva e ódio. Uma desfaçatez que só é possível por acreditar que o seu normal é o novo normal, que ambos fazemos parte de uma mesma dinâmica social, do mesmo lado certo de uma nação dividida entre "nós" e "eles", os intrusos que não merecem a nossa realidade e da qual devem ser excluídos. Em que momentos da história é possível encontrar tal entusiasmo, energia, confiança, ligação do indivíduo à massa que grita em uníssono as verdades que conduzem a imparável marcha do verdadeiro povo rumo a um destino justo, livre de inimigos e obstáculos? Em períodos revolucionários ou pré-revolucionários. Os mesmos que a história nos ensinou a temer.