02 novembro, 2023

SENTADOS E CALADOS

No caderno de actividades do manual  de Psicologia B surge o seguinte exercício: 

Considera o documento e responde à questão.

O cérebro é mais do que uma combinação de módulos autónomos, cada um deles decisivo no que se refere a uma função mental específica. Cada uma das áreas funcionalmente especializadas interage necessariamente com dúzias ou centenas de outras, criando a sua integração, no total, qualquer coisa como uma grande orquestra complexa com milhares de instrumentos – uma orquestra que se dirige a si própria, com um repertório e uma partitura que mudam constantemente. Oliver Sacks (2010), O Olhar da Mente, Relógio d’Água, p. 107

1.1. Concordas com a posição defendida pelo autor? Justifica.

Quer dizer, um homem faz o curso de Medicina, depois uma especialização em Neurologia, torna-se, para além de médico, professor numa das melhores universidades do mundo e com extensa obra publicada, para depois um texto seu vir parar às mãos de um fedelho de 18 anos (para ser tratado por tu só pode ser um fedelho), a quem é perguntado se concorda com ele, ou melhor, com a posição por ele defendida, como se estivesse a discorrer sobre o conflito israelo-palestiniano ou a existência de touradas. É como perguntar se concorda com as leis da Termodinâmica, ou solicitar uma análise crítica do Teorema de Pitágoras. O que faz todo o sentido num tempo em que tudo se reduz a opinião, e acessível ao mais comum dos mortais. Lembro-me de estar a dar a primeira aula sobre Kant e logo começar a ver erguerem-se braços ligados a cérebros que ouviam o assunto pela primeira vez, para das suas circunvoluções pré-frontais de imediato saírem contundentíssimas críticas a um homem que está para a Filosofia como Newton para a Física. Que assim seja, se assim são os tempos. Mas fosse eu a mandar e todos os alunos, excepto para esclarecimento de dúvidas, estariam proibidos de abrir a boca nas aulas. Só no 12ºano poderiam então balbuciar umas coisas como preparação para a universidade. E fosse eu a fazer os programas de língua portuguesa entre o 1º e o 11ºano, as aulas, para além da gramática, seriam todas passadas a fazer cópias de textos de Eça de Queiroz, e a haver trabalhos de casa, para além de mais exercícios gramaticais, seriam igualmente cópias de textos de Eça de Queiroz.  Ouvir, ler e copiar, ouvir, ler e copiar, ouvir, ler e copiar, fosse assim e teríamos à entrada na universidade alunos a pensarem, escreverem e falarem melhor, e com um pensamento bem mais crítico e consistente do que o cultivado, para além da escola, na qual estão cada vez mais em regime de auto-aprendizagem, nessas encarrascadas tabernas do mundo actual que são as redes sociais.