15 novembro, 2023

MUNDO DE PAPEL

Há livros que resisto a abandonar quando acabo de os ler, impedindo-os de regressar logo para a estante. Não com medo de ficarem longe do coração por ficarem longe da vista, mas porque tendo gostado tanto deles preciso de os ter também ali à mão de semear, sendo aqueles cujas sementes, ao contrário das da dialéctica hegeliana, não são negadas nem pela flor, nem pelo fruto. Livros que nunca estarão lidos, não no sentido de não terem sido completamente compreendidos, mas em que pedem para ser relidos, como uma comida que se repete, já não para saciar a fome, mas só pelo prazer que nos dá. Já os li e conheço-os, mas conhecimento que em vez de enfraquecer o desejo de voltar a pegar neles, aumenta-o ainda mais, como uma música que nunca nos cansamos de ouvir. Daí ter a mesa de cabeceira e a pequenina da sala em frente ao sofá de leitura, com vários livros que ainda não tive a coragem de abandonar, alguns deles há bastante tempo. Não que os leia todos os dias, mas estão ali e gosto de os ter ali, de passar por eles, vê-los e saber que estão ali. Num ínfimo ponto do espaço e do tempo infinitos, existe um mundo possível no qual a minha biblioteca é formada por várias salas repletas de livros, do chão até ao tecto, como na livraria Bardón, em Madrid. Mas também com uma grande mesa de cabeceira, feita relicário de madeira, onde se formariam duas ou três torres de livros, verticalmente dispostos por cores como, circularmente, as flores de Josefa de Óbidos. Não aqueceriam os pés nas noites frias de Inverno, mas, felizmente, não faltam estratégias para o fazer. Já o calor irradiado por esses livros só deles poderá vir. A biblioteca, nunca irei ter, pois o infinito é demasiado grande para o infimíssimo ponto que eu sou e para as minhas limitadas possibilidades. Quanto à mesa de cabeceira com os seus tijolos de papel, talvez venha a tornar-se realidade, ajudando a dilatar um pouco mais o infimíssimo ponto que sou antes que se transforme, de vez, num ponto final sem parágrafo, ao contrário do que agora se diz por tudo e por nada.