11 setembro, 2023

VENCEU, CLARO

Logo após o 25 de Abril, ecoava nos ouvidos a frase: «O Chile Vencerá!». A minha melancolia perante esta crença que agora ecoa silenciosamente na minha memória, vinda de um tempo desaparecido, não é a mesma que diante do irreversível silêncio de um anfiteatro grego. É antes motivada pela pueril consciência daquelas pessoas a gritar uma frase que desafia o tempo como o forcado desafia o touro antes deste investir, porque apesar de acreditar que vai conseguir pegá-lo, também o respeita e teme. Só que o tempo, como alguns tigres, diferentes do touro na arena, é feito de papel, deixando-se naturalmente pegar para nele escrever um texto já previamente escrito. Quando um chileno acredita que a sua selecção irá ganhar à do Brasil, exprimindo o seu desejo na frase "O Chile vai vencer!", ou uma pessoa acredita que irá vencer um cancro, sabe que isso pode não acontecer. Ainda assim, a esperança é legítima por se acreditar que uma feliz conjugação de factores permite concretizar o desejo. Só que há uma enorme diferença entre "O Chile Vencerá" de 1974 e a vitória do Chile num jogo de futebol ou a vitória sobre um cancro. Essa diferença chama-se história. O Chile iria sempre vencer pois a história a isso obriga, como se esta fosse um árbitro comprado que permite saber antecipadamente quem irá ganhar o jogo, neste caso, as democracias contra as ditaduras militares dos países da outrora célebre Latina America, dos Jafumega, jogos disputados em Buenos Aires, Montevideu, Brasília, Assunção e sim, Santiago do Chile. Daí que gritassem como quem diz «Exigimos que depois do Inverno venha a Primavera!», «Queremos que depois de 1974 venha 1975!». sem perceberem que lêem a história como quem lê um livro policial cujo final já lá está, só não se sabe é quando.