22 agosto, 2023

ABORRECIMENTO

Leio hoje no PÚBLICO o que diz a inspectora Nicola Evans sobre a enfermeira assassina: que, fora do trabalho, Lucy tinha uma vida "aborrecida". Fosse em França, onde tudo é extremamente intelectual, e a inspectora uma parisiense de Saint Germain, iria pensar numa mulher melancolizada por um literário spleen novecentista, talvez um ennui existencialista, levando-me a imaginar La Nausée como seu eterno e e irrevogável livro de cabeceira, cuja animação e entusiasmo não é maior do que o de uma lista telefónica ou um filme de Antonioni. Mas sendo britânica, pátria de David Hume, Jonathan Swift, Laurence Sterne, Francis Hutcheson, Thomas Reid, Edmund Burke ou Stuart Mill, adensou ainda mais o mistério. Felizmente, surge na notícia o que entende a inspectora por vida "aborrecida": "Uma vida social saudável, um círculo de amigos, estava com os pais, ia de férias. Não há nada de invulgar em tudo isso, aliás, não há nada que tenhamos encontrado de invulgar". Apoquentado com a explicação, resolvi ir em busca das declarações originais e, em vez de encontrar a palavra inglesa para o nosso luso "aborrecimento", fui dar antes com uma pessoa "beige" e "average". Quer dizer: normal. O que me leva a pensar num erro de interpretação da jovem jornalista que construiu a notícia, para quem, provavelmente "vida aborrecida", será a que está fora do Instagram, ou sem grande combustível para alimentar o Instagram, o que, para os padrões ingleses, talvez seja, por exemplo, não passar fins de semana em Torremolinos ou Albufeira, acordando depois na segunda-feira em Birmingham sem ter bem a consciência de onde se esteve e com quem se dormiu. Houvesse Instagram no tempo dos gregos e no dos seus herdeiros romanos, e a história da Filosofia teria sido diferente.