01 junho, 2023

VANITAS COM CEREJAS

Vários foram já os quilos de cerejas que comi desde que começou a sua época. Ainda há pouco veio mais uma caixa, estando quase a desaparecer. Dizem que as conversas são como as cerejas. Diria antes, pelo modo pouco criterioso como as vou comendo, que as cerejas é que são, não como as minhas conversas, mas como os meus solilóquios sem eira nem beira, e tão levemente digeridas que, apesar da sofreguidão com que as como é quase como se não as comesse. Sofreguidão que não é sem causa, a qual, chegado o Outono, envolve também dióspiros e romãs durante a sua breve passagem pelo mundo: sentir o peso da areia a cair na parte inferior da ampulheta, apressando com isso a procura do prazer e felicidade que nos dão. Daí o cesto de frutas de Caravaggio ser uma das minhas vanitas preferidas. A falta que nos faz uma ampulheta para tudo na vida, que vem e depois vai como as cerejas, os dióspiros e as romãs, só que sem darmos por isso, entretidos que estamos com os nossos afazeres quotidianos.