06 junho, 2023

O PASSADO PRESENTE

Dizem que recordar é viver. Mas será a felicidade de recordar idêntica à felicidade induzida pela famosa máquina da experiências, de Nozick, em que uma pessoa está dentro de uma cuba com o cérebro ligado a um supercomputador que lhe permite viver todos os desejos como se fosse a mais absoluta realidade? Lembro-me lindamente da minha primeira banana split, do prazer e felicidade desse momento que vivi há 50 anos. Com quem estava, do sítio (ainda há pouco lá passei), do clima, onde estivera antes. Acontece que vejo esse dia mas sem a felicidade e prazer desse dia. O contrário da máquina das experiências, em que se sente prazer e felicidade, mas pelo que nunca aconteceu. Ainda assim parece não haver diferença entre ver uma pessoa sentada num sofá a pensar numa banana split comida há 50 anos, e uma outra dentro de uma cuba e que pensa estar a comer uma banana split que não existe. Ambas sentadas, pairando no vazio, pois nenhuma delas está a comer uma banana, havendo apenas o pensamento da banana. Mas não, há diferença, e com enorme vantagem para a recordação. Por um lado, embora já não sinta o prazer e felicidade de há 50 anos, é a mesma, e tão real pessoa, como a de há 50 anos. Por outro lado, ainda bem que já não sente o prazer e felicidade da há 50 anos, tornando-se um bom pretexto para que essa pessoa, real, continue a procurá-los. Já dentro da cuba, com o cérebro ligado a um supercomputador, está apenas um corpo de uma pessoa que não existe, tão irreal quanto o mundo onde julga viver. Uma desoladora distopia em vez de uma bela e melancólica recordação, que, de um modo tranquilo, liga o passado, o presente, e o que ainda pode restar do futuro.