21 junho, 2023

DEPOIS DAS 5

É impressionante como, para determinar a identidade de uma pessoa, seja a própria ou a dos outros,  se continua a dar tanta importância ao que se faz entre "as nove e as cinco". Conhece-se alguém e a primeira coisa que se deseja saber é o que "faz". Os pais sabem que a filha ou o filho namora, e a primeira pergunta é fatal como o destino: "E o que é que faz?". Ficando-se depois imensamente esclarecido por se saber que trabalha num banco, ou no departamento de águas da câmara de Loulé,  que tem uma loja de roupa, ou que é engenheiro, professora ou médica. E mesmo assim pode não chegar: "Ah, professora, e professora de quê?". "Médica, ai é? E qual a especialidade? Dermatologista. Ah, ok". E se é engenheiro, lá se vai escarafunchar para saber se é civil, químico, electrónico ou informático. Mas para que raio interessa saber tudo isso? Quando o bancário entra no banco é para fazer o que se espera de todos os bancários, quando a professora entra na sala de aula é para fazer o que se espera que faça um professor, e a dermatologista analisa os sinais no corpo por ser isso que deve fazer qualquer dermatologista. E isso não define uma pessoa, define uma profissão. O que deve então importar se queremos mesmo saber quem é verdadeiramente uma pessoa? É o que faz quando não é obrigada a fazer o que faz. Para usar jargão existencialista, quando, depois das 5, se descobre condenado a ser livre para o que bem lhe apetecer. Livre, completamente livre, e por isso também responsável pelo que faz com essa liberdade, o que, diga-se, em abono da verdade, pode também significar um enormíssimo problema.