Há, já os vi, belíssimos camafeus, não só as peças em si, como os rostos que delas fazem parte. Como se terá o camafeu tornado no adjectivo que todos conhecemos, um sinónimo de feio, ou de uma ainda mais subtil categoria estética como a de estafermo? Tudo tem uma explicação, e esta versão adjectivada também a terá. Já agora, soube há dias, por sinal num texto no campo da estética, que a palavra silhueta deve a sua existência a um senhor chamado Etienne Silhouette, administrador do rei Luís XV, que ficou conhecido por cortes financeiros devido à sua restritiva política fiscal. Cá está: corte, restrição. Bate certo. Voltando ao camafeu, não faço ideia do que possa estar na origem da sua degeneração. Mas há uma hipótese que, embora historicamente não faça qualquer sentido, não me desagrada. Contrariamente à bidimensionalidade do desenho e da pintura, o relevo dado ao rosto pelo camafeu revela uma natureza mais real. Por muito mimético que seja um retrato na pintura, passamos com a mão e logo o rosto se desvanece como o de Narciso na água ao ser mexida para nele tocar. Já um camafeu, podemos percorrê-lo com a mesma subtileza de um cego que o vê através das pontas dos dedos nos seus mais ínfimos pormenores. Daí que a categoria estética de camafeu, ao contrário das mais ingénuas de belo ou sublime, pudesse inspirar-se na mais clássica tradição moralista. Um rosto pode ser belo, mas ao ser revelado através do relevo, tornado mais físico e real, fica mais fácil compreender a fealdade de cada ser humano que, como o interior do corpo humano, se esconde por detrás da sua beleza.