20 abril, 2023

POST IT

Artemisia Gentileschi foi violada por um professor quando tinha 18 anos. Mais dramático ainda o que aconteceu a Lee Miller: violada aos 7 anos por um amigo dos pais, e uma gonorreia para toda a vida. Um bom orador pode pegar nestas duas histórias e dizer que sim, são horríveis, só há que lamentar, mas podem ajudar a perceber um nexo causal entre ser violada e tornar-se artista. Também um criativo psicanalista pode explicar as pulsões artísticas de ambas como sublimação ou qualquer outro mecanismo de defesa do ego face ao seu traumático passado. E podendo mesmo pegar em situações concretas. Por exemplo, no caso de Artemisia, o modo como pinta a cena de Judite e Holofernes, ou o desejo de Lee Miller de se fotografar na banheira de Adolph Hitler em Berlim, logo após a sua derrota.

Uma cabeça ingénua será tentada a ver nisto um certo sentido e verosimilhança. Já uma menos ingénua pergunta quantas mulheres se tornaram artistas sem nunca serem violadas, quantas mulheres violadas não se tornaram artistas, quantas mulheres que poderiam ter sido artistas não o foram por terem sido violadas, ou ainda que outros acontecimentos nas vidas de Artemisia e Miller explicam os seus percursos artísticos. Perguntas óbvias, fáceis de fazer, deitando logo abaixo artifícios retóricos ou banha da cobra científica ao nível da Astrologia e disparates afins. Mas do que as pessoas gostam mesmo é de respostas, e respostas que alimentem a sua indolência mental, mais ainda num tempo em que as respostas saem em catadupa. Explicar as vidas artísticas de Artemisia e Miller por uma violação incorre na falácia post hoc ergo propter hoc (depois disso, logo por causa disso), uma "verdade", como tantas outras, que se cola cada vez mais facilmente no interior das cabeças com a mesma facilidade e rapidez de um post it colado na testa.