29 março, 2023

DOUTA IGNORÂNCIA

Acabei de corrigir uma fornada de testes sobre a teoria apresentada por Thomas Kuhn na obra "A Estrutura das Revoluções Científicas", visando o problema da objectividade e progresso da ciência. De uma turma onde entretanto já andamos à volta da definição da arte, antes de mudarmos para o problema da existência de Deus. Noutra turma, a conversa é sobre o critério ético de uma acção, entrando-se de seguida na questão da justiça distributiva, isto, numa turma de Economia, o que pode contribuir para apimentar o problema. E quer o programa da disciplina que o façamos usando modus ponens, modus tollens e outros modos argumentativos Não há disciplina com tanta diversidade e heterogeneidade, mas bate certo. Há mais de 40 anos, logo na primeira aula, dizia, com ar divertido, o meu professor de Filosofia Antiga, que tinha todo o Platão na ponta da língua, que deveríamos sair do curso a poder falar de tudo. Pelos vistos tinha razão. Mas, ao contrário de um físico, historiador, economista ou advogado, que sabem coisas, eu nada sei. Se me perguntarem o que é o Bem para Platão, o dever para Kant, o Deus de Santo Agostinho, a essência de um obra de arte para Clive Bell, ou para Popper a natureza hipotético-dedutiva da investigação científica, sei responder, e será graças a sabê-lo e ensiná-lo que irei ter comida no prato mais logo ao almoço. Mas, ao contrário de quem sabe o que é a termodinâmica ou a lei da oferta e da procura, sei lá eu o que é o Bem, o dever, Deus, o que terão os cientistas que fazer pelos laboratórios e Galápagos deste mundo, ou o que têm em comum o mármore de Bernini e a voz da Callas. Como raposas de Arquíloco, fomos treinados para saber muitas e distintas coisas, mas nada de verdadeiramente importante. Razão tinha Sócrates, que apenas sabia que nada sabia, ou mesmo Kant, que era filósofo e julgava saber coisas, que dizia ser mais importante aprender a filosofar do que aprender Filosofia. Está tudo certo, e o que tenho a fazer é só mesmo baixar a bolinha, que o guarda-redes é anão. Ao ir para Filosofia em vez de Direito, dúvida que me acompanhou até ao momento de decisão, tive o que merecia.