Estamos tão habituados à rotina das palavras que deixamos de pensar nelas, se é que alguma vez chegámos a pensar. Se, de rajada, repetirmos dezenas de vezes, oralmente, a palavra «janela», ela vai lentamente perdendo o seu significado, ficando reduzida a três sons tão vazios de sentido como o de uma língua que não compreendemos. Usamos as palavras como ferramentas, alicates, martelos ou chaves de parafusos, centrados apenas na tarefa para que são usadas e não na própria ferramenta. Quanto estamos a pregar um prego, não queremos saber do martelo, o seu design ou origem. Apenas usá-lo, e o mesmo acontece com a natureza, origem ou mesmo o corpo das palavras, às quais recorremos como a uma caixa de ferramentas.
Mas imaginemos um deprimido e existencialmente desesperado estudante italiano de Filosofia que se encosta a este muro aonde vai dar com tão positivo aforismo cujo significado percebe. Acontece que, na sua italiana cabeça, poderá soar uma campainha que o fará ligar uccidere e uscire, ou uscita, talvez a primeira palavra da sua língua que se aprende ao aterrar num aeroporto italiano. Nada de anormal, se partirmos da visão socrático/platónica da morte. Ainda jovem, Platão viu o mestre Sócrates, na véspera da morte a que foi condenado, que alegremente aceitou quando podia ter fugido, em amena cavaqueira e descontraído como uma criança que sai de casa para ir ao Luna Park. Diz Sócrates, num diálogo de Platão chamado Fédon, que ter a alma presa a um corpo, por sua vez preso a um mundo inferior, é uma tremenda chatice. Daí este aforismo ali tão perto do abismo poder ser meio caminho para que o abismo comece a olhar também para o jovem italiano, como diria outro filósofo cuja saída de cena foi diferente: agarrado a um cavalo, em Turim.