Ao deambularmos por um cemitério, não é bem a mesma coisa passar por pessoas que morreram há muito ou há pouco. As primeiras é como se já tivessem morrido dentro da própria morte, enquanto as que morreram há pouco conservam ainda vestígios de vidas que chegaram a coincidir com a nossa, que ainda estamos vivos e pensamos nisso. Podemos nunca ter falado com elas, passado por elas na rua, ter-lhes comprado alguma coisa numa loja, mas se não aconteceu poderia ter acontecido, sendo por isso mais dignas da nossa compaixão, ao contrário de uma certa indiferença diante das outras. O que não deixa de ser injusto. O tempo, essa contabilidade de séculos, anos, meses, semanas, dias, horas, minutos ou segundos, que bem poderia fazer parte de uma tabela de Excel, é bastante útil e funcional, mas apenas para cronometrar as irregulares e descontínuas linhas da vida. Já a morte é informe, irrepresentável, sem dimensões, não havendo assim diferença entre 2500 anos e um minuto, seja para a frente ou para trás, para cima ou para baixo, para os lados, pois nada disso existe na morte.
Dizemos que alguém morreu há muito, por exemplo, 1908, e alguém morreu há pouco, mas isso somos nós, que estamos vivos e sabemos, ou julgamos saber, o que é o passado, o presente e o futuro, sejam estes mais recentes ou longínquos. Já a morte não passa, ou julgo saber que não passa, de um buraco negro onde todos se vão juntando sem haver mortos mais velhos e mais novos, como também não os há de primeira ou de segunda, ao invés dos vivos, que os há bem de primeira ou de segunda, e até de terceira como nos comboios de antigamente, um deles pintado pelo meu querido Honoré Daumier. A superfície do cemitério é moldada pela consciência do tempo dos vivos que vai arrumando os mortos de acordo com o calendário. Mas quem acaba de chegar às escuras e silenciosas profundezas da morte será sempre recebido pelos outros como se tivesse lá sempre vivido, os quais irão ser vistos como se já fossem velhos conhecidos. Com a mais absoluta das indiferenças e sem compaixão.