Há dias, numa aula, para explicar já nem sei o quê, recorri a um adágio bem popular. Percebendo, entretanto, que ninguém o conhecia, quis aferir o estado da arte, atirando para o ar meia dúzia que qualquer avô terá guardado na ponta da língua e que descubro também desconhecidos da maioria. Tenho pena que assim seja, embora a minha relação com adágios populares seja algo dúbia. No capítulo XXI da terceira parte do Quixote, Cervantes põe na boca deste as seguintes palavras: «Parece-me, Sancho, que não há provérbio que não seja verdadeiro, porque todos são sentenças tiradas da própria experiência, mãe de todas as ciências (...)». Apesar da secura cerebral que lhe levou o juízo, o engenhoso fidalgo é atacado por momentos de grande lucidez, como aqui. De facto, os provérbios têm o dom de exprimir de modo conciso verdades reveladas pela experiência, dando assim origem a uma sabedoria simples mas eficaz. Mas depois temos Sancho. Que apesar dos seus também momentos de enorme perspicácia, ao usar e abusar dos provérbios de um modo mecânico e por vezes com alguma incontinência, acaba por exprimir a acrítica e bronca superficialidade do espírito popular.
Quando ontem publiquei a fotografia que se encontra aqui por baixo, o título esteve quase para ser "Em casa de ferreiro, espeto de pau". Não obstante a sua propriedade, decidi-me, não sem algum alívio, pelo actual, e que serve bem o objectivo pretendido, embora com menos espalhafato e acidez. Porquê? Pela sua sugestão brejeira, maliciosa ou mesmo ordinária do anterior, inevitável se pensarmos no contexto da publicação da fotografia e que nada tem que ver com a mensagem transmitida naquela igreja. Nem a mim, quando há meses tirei a fotografia, me passou pela cabeça o actual contexto da sua publicação, apenas achando graça à frase e nada mais do que isso. E mesmo ao pensar inicialmente nesse título inicial, a minha ideia era apenas aproveitar o dito popular, tão usado nos mais inócuos contextos. Mas, não tendo nascido ontem, de repente vejo o sentido que poderia assumir, atendendo ao contexto em questão, sendo então vencido pelo pudor, em detrimento da piada brejeira que dali iria sair, ainda que involuntariamente. Mas não só. Também uma recusa em alinhar numa tendência que marcou, de certo modo, o século passado, no qual grande parte de nós nasceu: a sobreposição da cultura popular à cultura erudita, a atracção das classes médias ou mesmo privilegiadas pela superficialidade e vulgaridade das classes mais baixas, ao invés do que acontecia anteriormente, quando as classes médias se emancipavam pela reprodução dos registos culturalmente mais elegantes e sofisticados das classes mais altas, tendo daí resultado uma dramática decadência dos padrões literários, artísticos e intelectuais. Podemos sentir uma grande simpatia por Sancho Pança e ele bem a merece. Mas gostar dele é uma coisa, sê-lo, uma outra. E deles está já o mundo cheio.