«Acontece que admirei tanto as luvas em amarelo-canário de Alexander como o seu chapéu - olhando para esse homem ninguém pode duvidar que ele veio directamente de Paris e do sítio onde Paris é mais Paris.»
Há imensos de lugares em Paris, os quais, sendo Paris, não são onde Paris é mais Paris, sítios iguais aos de tantas outras cidades. Se uma pessoa fosse levada às cegas para várias cidades europeias, ou mesmo mundiais, e depois lhe pedissem para adivinhar onde está, não iria ser capaz, visto ser igual a tantas outras. Mas também há em cada cidade lugares onde logo a reconheceríamos, e nem sequer estou a pensar na Torre Eiffel ou no Big Ben. Com uma pessoa passa-se o mesmo. Sabemos que o João é homem, português, engenheiro, benfiquista e gosta de Bacalhau à Brás. Mas ser um homem em vez de uma mulher não é a coisa mais original. Ser português também não. E há milhares de engenheiros, benfiquistas e apreciadores de bacalhau. Onde o João é mais João é na individualidade que o distingue de todos os outros, um conjunto de experiências, características e memórias que são só suas, das quais pode ou não gostar. O mesmo se passa ainda com os países ou culturas. Não haverá um meio-termo entre um nacionalismo ou etnocentrismo serôdio e delirante, e um vazio universalismo que tende a menosprezar uma identidade cultural? Como o João, que não é superior ou inferior aos outros, é bom entender o que Portugal tem de mais Portugal ou o Ocidente de mais Ocidente. Um útil exercício para nos defendermos, não de inimigos que venham de fora para nos destruir, mas do radicalismo, tanto à direita como à esquerda, de quem já nasceu português ou europeu, o qual, como um tumor maligno, mina a coesão social.
