13 novembro, 2025

DIÓSPIROS

Diferente sorte tiveram as palavras pudico e dióspiro. A primeira, sendo grave passou a ser dita como se fosse esdrúxula. Já a segunda, sendo esdrúxula, passou a ser dita como se fosse grave, isto, com claro benefício para a primeira e prejuízo para a segunda. As palavras esdrúxulas têm uma esdrúxula beleza e algumas bem a merecem, como é o caso de pudico. O pudor é uma das grandes conquistas da humanidade a qual, graças a ele, ganhou elegância, delicadeza e sobriedade nos gestos, no rosto, nas palavras ditas e sobretudo nas não ditas. Daí que uma pessoa com esse atributo mereça ser considerada púdica em vez de pudica, ainda que seja esta a correcta. O que raio aconteceu para os dióspiros terem passado a diospiros? Pensemos no ridículo de belas palavras como Diógenes, Andrómeda, Orígenes, Antígona, Penélope, Eutífrone, Eurídice, Édipo, Perséfone, Átila, diâmetro, triângulo, antílope ou ópera, tornadas graves. Um horror, uma degradação do original. Lembro-me da sensação de estranheza ao ver pela primeira vez a palavra asfódelo. Mas de imediato me rendi à sua beleza fonética. O que seria se, desgraçadamente, a palavra passasse a grave como aconteceu com o dióspiro? Um horror ainda pior. Mantendo-se fiel ao original, continua assim digna de uma pintura de Khnopff ou pré-rafaelita, de um parágrafo de Huysmans, de um verso de Baudelaire, Mallarmé ou Pessanha. Há gente que olha com indiferença, ou mesmo desprezo, para as palavras. O que conta é comer o fruto, querem lá saber como se chama. Não é assim, até por uma questão de respeito para com a dignidade da coisa. A Leonor de Camões, a Beatriz de Dante ou a Simonetta de Botticelli seriam as mesmas com outros nomes, sobretudo horríveis? Não. O que é belo e bom merece uma palavra bela e boa. O que não veio a acontecer com os nossos dióspiros, esse sumptuoso fruto descido ao nível da mais desdourada das vulgaridades.