04 julho, 2024

SETE SÍLABAS


Nada se sabe de Luís Duarte a não ser, como dizia Alberto Caeiro sobre a sua biografia, haver duas datas na sua vida. Uma vida que há-de ser feita de milhares de partículas atómicas, mas perdendo toda a importância depois de limpas por estas sete sílabas que tornam a sua vida ainda mais simples que um haikai. Pode ter sido engenheiro, barbeiro, agente de seguros, rico, pobre, de esquerda, direita, católico, ateu, heterossexual, homossexual, bonito, feio, inteligente, néscio, gostar ou não de desporto, de ir ou não ao restaurante aos domingos, de fazer férias em paraísos tropicais ou ficar em casa, ser tímido, extrovertido, paciente ou impaciente. Como numa pintura de Klein ou de Rothko que só tem alguma coisa para que possa ser uma pintura, tudo isso se torna irrelevante e supérfluo face aos dois tempos verbais que surgem tão simetricamente entrelaçados como o preto e o branco da fotografia a preto e branco, ou nos pares Tristão e Isolda, Rómulo e Remo, Tom e Jerry, Laurel e Hardy, Simon e Garfunkel, Abel e Caim, Jekyll e Hyde, Bonny e Clyde. Tivesse ele amado mas não sido amado, ou sido amado mas sem amar como o trágico Narciso, e a sua vida já seria um círculo aberto, mal desenhado e cheio de arestas por limar. Mas assim, juntas, surgem, como na teologia cristã, com a força de duas hipóstases concentradas numa única essência amorosa e - porque não dizê-lo? - biográfica.