Este quadro, atribuído a Rembrandt ou ao seu estúdio, não tem um mas três títulos: tanto pode ser Sagrada Família com Santa Ana, como O Ofício do Carpinteiro ou Família Holandesa num Interior. Motivo para serem dois quadros diferentes. O seu centro de gravidade está na mulher que amamenta o bebé, não só pela posição que ocupa no espaço, mas também por ser para lá que são levados os olhos através do calor da luz. Saber ainda, pelo título, que se trata de uma mãe que amamenta o filho de um deus, ele mesmo também um deus, como não se cansaram de mostrar os velhos Padres da Igreja e os teólogos medievais, coloca o espectador em pleno território sagrado. Mas se passarmos a ver uma simples família holandesa, ou O Ofício do Carpinteiro é este, cujo rosto nem sequer vemos, que conquista o centro. Rembrandt, ou um seu aluno, estaria então a mostrar uma simples cena da vida quotidiana na oficina de um carpinteiro que trabalha enquanto a sua mulher amamenta o seu filho, um cenário cuja beleza e tranquilidade provoca um enaltecimento profano. É uma mulher e uma criança, e basta, e nem o carpinteiro precisa de ser S. José para conquistar a virtude doméstica de quem trabalha na oficina para sustentar a família. Para se perceber que a morte da religião está longe de representar a morte da beleza, da interioridade, da espiritualidade, da humanidade, é nos interiores holandeses que devemos pensar, ainda que Rembrandt não seja, tecnicamente, um pintor de género, como vieram a ser todos aqueles que fizeram desse período um dos mais belos da história da pintura. Tão bonito, ou mesmo mais bonito do que ver a mãe de Jesus a amamentar, é ver uma mulher a amamentar, ainda que a humilde mulher de um carpinteiro. Embora prefira a segunda versão, há uma vez no ano, esta, em que gosto de o ver com os olhos da primeira. Uma coisa é não poder escapar ao seu destino, outra, bem mais simpática e amigável, é não querer escapar ao seu destino.