27 junho, 2023

SERENIDADE

Invoca-se Ícaro pelo seu excesso de ambição. Mas olhando para o quadro que Bruegel dedicou ao assunto somos levados a lembrar o que lhe diz o pai, Dédalo, tal como nos conta Ovídio, nas Metamorfoses: "Voa a meia altura, Ícaro, recomendo-te, para que, se fores demasiado baixo, o mar não pese nas penas, e, demasiado alto, não as queimes no fogo". Mas não é Ícaro que sobretudo se vê no quadro. Antes um sereno agricultor a trabalhar a terra com o seu sereno cavalo, um sereno pastor que guarda um sereno rebanho, acompanhado de um sereno cão, barcos que navegam num mar tranquilo. E, tudo isto, num não menos tranquilo fim de tarde, como se percebe pelo Sol que se vai despedindo, formando todas estas partes um todo harmonioso. E Ícaro, o grande protagonista? Mal o vemos, reduzido que está à sua insignificância enquanto luta pela sobrevivência, bem perto de um pescador sentado. Em dia de exame de Filosofia, lembro John Stuart Mill, que dizia que mais vale ser um Sócrates insatisfeito do que um porco satisfeito. Diria agora, noutro contexto, que mais vale ser um cavalo, ovelha ou cão satisfeitos do que um milionário insatisfeito.